quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

HÁ 60 ANOS O INÍCIO DA GUERRA COLONIAL (I)

Adeus, até ao meu regresso...

Menina dos olhos tristes
O que tanto a faz chorar
O soldadinho não volta 
Do outro lado do mar (1)

Onde se fala do annus horribillis do salazarismo, do início da guerra colonial, da queda de Goa, Damão e Diu, do princípio da derrocada do Império Colonial Português, da dor e das lágrimas de uma mãe de Tolosa, sem dinheiro para pagar a “caixa de pinho” e trazer de volta, o filho morto em combate...
23 de Janeiro de 1961. Foi há 50 anos e ainda me lembro do rádio a pilhas, em cima da secretária, na sala de aula do 1º andar da Escola do Rossio. O professor, meu primo António da Piedade Pires, ligava-o a espaços para ouvirmos a “aventura” em forma de novela radiofónica do assalto ao Santa Maria. O ano começava mal para o regime salazarista e num país onde só era permitida uma ideologia política, onde não se podia discutir, sequer, o “sexo dos anjos”, aquelas doses maciças de apologia nacionalista e de constantes alusões aos “traidores da pátria” comandados por Henrique Galvão calaram bem fundo em cada um de nós.

Naquela altura estaria longe de supor que, dez anos mais tarde, iria conhecer em terra de balantas, fulas e mandingas, as profundas contradições e mentiras de um regime, isolado do mundo e da realidade.
A 4 de Fevereiro de 1961 guerrilheiros do MPLA tomam de assalto a prisão e a emissora de Luanda, no mesmo dia em que termina a aventura de Henrique Galvão e seus companheiros com a entrega do “Santa Maria” às autoridades brasileiras em troca de asilo político.
Estalara a guerra colonial e os massacres de colonos angolanos enchem de horror e de revolta, os écrans a preto e branco do único canal televisivo. Uma guerra que se haveria de se estender à Guiné e a Moçambique, perante a recusa de Salazar em aceitar uma solução negociada, pacífica, para a autodeterminação dos territórios ultramarinos.
Botelho Moniz tenta ainda, num golpe de Estado, apear Salazar do poder, mas a intentona é sufocada e a resposta do homem de Santa Comba Dão fica expressa na célebre frase: “Para Angola, rapidamente e em força”. Logo a seguir viria o “Angola é nossa!”. 
Catorze anos de guerra, de devastação, de milhares de mortos e feridos, de fome e miséria, que deixaram um território rico em recursos naturais, dividido e arrasado, mostraram que Angola não era nossa, nem será, tão pouco, dos angolanos... Mas esta é outra história a ser escrita no tempo próprio.
A 18 de Dezembro de 1961 novo golpe nas aspirações imperialistas do ditador de Santa Comba: a União Indiana invade e anexa quase sem resistência, os territórios de Goa, Damão e Diu.
Começa a derrocada do Império Colonial Português, um “império” que, perante os ventos de mudança que assolaram o mundo após a 2ª Guerra Mundial, e os exemplos de outras ex-potências coloniais, estava condenado a seguir os mesmos caminhos da autodeterminação e da independência. 
Salazar, orgulhosamente só, criticado pela comunidade internacional e pela própria igreja católica não cedeu. Arrastou, na sua cegueira, o país para uma longa guerra injusta, onde as palavras “derrota” e “rendição” eram proibidas. “Apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos”, disse, um dia, num discurso inflamado. Vassalo e Silva não lhe fez a vontade, quis viver e salvar os seus homens de uma morte certa e inútil, como, anos mais tarde, em 1973, em Guileje, na Guiné, o major Coutinho Lima tomou a mesma atitude, num aquartelamento flagelado durante cinco dias e despojado de tudo, até de armas e munições.
Conheci-o, pessoalmente, no Depósito dos Adidos, como um soldado raso, sem galões, triste e amargurado, mas orgulhoso da atitude tomada. Nesse ano (1973) a PIDE assassinara Amílcar Cabral, a guerra tomara proporções que o exército português nem sonhara. O PAIGC dispunha, agora, de supremacia em termos de armamento. Avião ou avioneta que descolasse era aeronave abatida. Os mísseis terra-ar faziam estragos incalculáveis, a mobilidade da guerrilha com uma nova estratégia deixava os comandos militares sem saber o que fazer.
Temia-se o pior. A ilha de Bissau começa a ser cercada com arame farpado. A cidade transformara-se numa nova Saigão e o que acontecesse teria de ser decisivo. Foi. O “Movimento dos Capitães” desencadeou o 25 de Abril e o término da guerra.
A solução política, tantas vezes proposta pelos líderes africanos (Agostinho Neto, Eduardo Mondlane, Amílcar Cabral) a Salazar acabara por silenciar e resolver o que as armas não conseguiram.

(1) Menina dos olhos tristes – letra de Reinaldo Ferreira; Música de Zeca Afonso
Mário Mendes - Janeiro de 2011

Legendas das fotos
1 - Parada militar em Bissau (1968
2 - Coluna militar para Bambadinca (Guiné-Bissau)
3 - Militares nisenses na Índia (1962)
4 - Memorial de homenagem aos Combatentes da Freguesia de Montalvão (2020)


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